A Lei Eusébio de Queirós, decretada em 1850, determinou a proibição do tráfico negreiro, e sua aplicação efetiva fez com que o tráfico de escravos de fato acabasse no Brasil.
A Lei Eusébio de Queirós foi decretada em setembro de 1850, durante o reinado de d. Pedro II, e decretou a proibição definitiva do tráfico negreiro no Brasil. Essa foi a segunda lei do tipo no Brasil (a primeira havia sido aprovada em 1831), e as pressões da Inglaterra sob o Brasil fizeram com que a lei fosse, de fato, aplicada com o Estado agindo duramente na repressão do tráfico negreiro.
Basicamente, a lei afirmava que navios brasileiros ou estrangeiros que tivessem escravos a bordo, ou indícios de que havia tido escravos como mercadoria de tráfico seriam consideradas traficantes de escravos e apreendidas pelas autoridades brasileiras. A Lei Eusébio de Queirós foi acompanhada de uma lei complementar aprovada em 1854, chamada Lei Nabuco de Araújo, que reforçava as punições para aqueles que encobrissem o tráfico de escravos africanos.
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O fim do tráfico negreiro foi um assunto que esteve em intensa discussão em nosso país ao longo da primeira metade do século XIX. Com a independência, em 1822, o Brasil, para obter o reconhecimento internacional da Inglaterra, assumiu compromissos pelo fim do tráfico negreiro. Esse acordo com a Inglaterra era uma extensão dos acordos realizados entre Inglaterra e Portugal durante o Período Joanino.
O Brasil até que tentou livrar-se dos acordos preestabelecidos sobre a questão do tráfico negreiro, mas foi forçado a aceitar devido às pressões realizadas pela Inglaterra. O compromisso dado pelo Brasil foi o de decretar uma lei que proibisse o tráfico negreiro até o ano de 1830, mas as negociações conduziram ao decreto da Lei Feijó, aprovada em 7 de novembro de 1831.
A expectativa pela proibição do tráfico negreiro fez com que em 1829, o número de africanos trazidos para o Brasil aumentasse consideravelmente. Apesar da apreensão dos traficantes com a possibilidade de fim do tráfico negreiro, esse tipo de comércio não acabou, mas, pelo contrário, retomou sua força alguns anos depois de aprovada a lei Feijó.
Os traficantes continuaram trazendo africanos para o Brasil em grande quantidade, e as autoridades brasileiras faziam vistas grossas à situação. No período entre 1831 e 1845, cerca de 470 mil africanos desembarcaram no Brasil como escravos|1|. A situação era tão escancarada que houve parlamentares brasileiros que tentaram revogar a lei de 1831.
Essa situação desagradava à Inglaterra, profundamente, e o Parlamento inglês resolveu agir para deixar a situação mais dura para o Brasil e isso resultou na aprovação de uma lei chamada Bill Aberdeen.
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Bill Aberdeen foi uma lei proposta pelo Lord Aberdeen, secretário do Estado para os Assuntos Estrangeiros na Inglaterra. A lei do Lord Aberdeen visava a criar um mecanismo que forçasse o Brasil a combater efetivamente o tráfico negreiro e assim foi aprovada sob o nome de Slave Trade Supression Act (Ato de Supressão do Comércio de Escravos, em uma tradução livre) ou simplesmente Bill Aberdeen.
Essa lei dava direitos à Marinha Real britânica de monitorar o Oceano Atlântico em busca de navios negreiros. Todas as embarcações avistadas traficando escravos seriam apreendidas e os membros dessas embarcações seriam julgados na Inglaterra como piratas. Essa lei dava à Marinha inglesa, inclusive, o direito de fazer essa função em águas territoriais do Brasil.
A lei gerou profunda insatisfação no Brasil, principalmente pelo fato de dar o direito das embarcações inglesas de violar as águas territoriais do Brasil, o que colocava em jogo a soberania brasileira. Defensores do tráfico e nacionalistas criticavam a Inglaterra, afirmando que ela não tinha direito de realizar tal ação.
O Bill Aberdeen dificultou as relações entre Brasil e Inglaterra de forma que começaram a ser debatidas questões relacionadas a uma declaração de guerra contra os ingleses. Naturalmente, esse debate assustava muitos, uma vez que o Brasil não tinha capacidade de enfrentar os ingleses em um conflito.
A tensão seguiu alta e teve seu pico em 1850, quando uma embarcação inglesa foi atacada por um forte brasileiro enquanto fazia o reboque de navios negreiros aprisionados na costa brasileira. Como resposta, os ingleses incendiaram dois navios negreiros na costa brasileira e os ânimos ficaram elevados.
Como o Brasil não tinha apoio internacional à sua causa (o tráfico negreiro já havia sido proibido em grande parte do mundo) e como a ameaça de guerra era grande, as autoridades brasileiras resolveram ceder e o debate pela proibição do tráfico negreiro ganhou força na política nacional.
Foi proposta uma nova lei em 1850 que visava a ratificar o que havia sido determinado na lei de 1831 e declarava a proibição do tráfico negreiro no país. A lei, por sua vez, tinha seu lado pragmático e, para atender aos interesses dos escravocratas, determinou que os africanos desembarcados no Brasil, a partir de 1831, continuariam como escravos.
O autor da lei, o ministro da Justiça Eusébio de Queirós, tinha um histórico de condescendência com o tráfico negreiro e, como chefe de polícia da corte entre 1833 e 1844, permitiu que inúmeros desembarques clandestinos fossem realizados na costa do Rio de Janeiro|2|.
Assim, foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, em 4 de setembro de 1850, dentro dos termos citados: reforçava-se a proibição do tráfico negreiro, mas os escravos desembarcados ilegalmente no país, após a lei de 1831, continuavam sendo escravos. Essa lei teve uma aplicação efetiva e contou com um reforço em 1854 conhecido como Lei Nabuco de Araújo, que punia aqueles que encobrissem o desembarque de africanos no Brasil.
Com a lei de 1850, o tráfico teve vida curta no Brasil e praticamente acabou em 1856. Dados trazidos pelo historiador Carlos Eduardo Moreira de Araújo|3| sugerem que 38 mil africanos foram desembarcados no Brasil entre 1850 e 1856, e o historiador Luiz Felipe Alencastro|4| fala que entre 1851 e 1856 esse número foi de 6900 africanos o que já evidencia essa queda sensível.
Com a proibição do tráfico de escravos, a venda de escravos entre as províncias foi fortalecida e as províncias do Sudeste começaram a adquirir escravos de outras regiões como o Nordeste, por exemplo. O fim do tráfico de africanos fez com que os traficantes utilizassem seu dinheiro no investimento de outras atividades, como a construção de estradas de ferro.
Com a proibição do tráfico negreiro, fechava-se a fonte de renovação da população de escravos no Brasil e dava início a uma contagem regressiva pelo fim da escravidão em nosso país. Esse foi um processo lento e gradual – conforme os interesses das elites escravocratas – e ficou marcado pela aprovação de duas leis conhecidas como leis abolicionistas.
Lei do Ventre Livre: aprovada em 1871, decretava que os filhos de escravos nascidos a partir daquele ano seriam livres após os 8 anos ou 21 anos. A escolha da data de sua libertação definitiva seria do senhor de escravos. Se ele resolvesse libertar o filho de sua escrava com 8 anos, receberia uma indenização de 600 mil-réis.
Lei dos Sexagenários: aprovada em 1885, decretava que todo escravo que completasse 60 anos seria considerado livre, depois de trabalhar por mais três anos como indenização ao seu senhor.
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A transição até o decreto da abolição da escravatura estendeu-se por 38 anos e teve o envolvimento muito importante do movimento abolicionista. Esse movimento ganhou força a partir da década de 1870 e atuou em várias áreas da sociedade para mobilizar forças em defesa da abolição. A resistência dos escravos por meio de fugas e revoltas também foi muito importante.
A junção de esforços do movimento abolicionista e da reforma de escravos fez com que o Império decretasse a abolição da escravatura por meio da Lei Áurea, aprovada pelo Senado e assinada pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.
Notas
|1| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 232.
|2| Idem, p. 235.
|3| ALENCASTRO, Luiz Felipe de. África, números do tráfico atlântico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 57.
|4| ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira. Fim do tráfico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 236.