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Lei do Ventre Livre

A Lei do Ventre Livre foi aprovada em 28 de setembro de 1871 e determinava que os filhos de escravas nascidos após a promulgação da lei seriam considerados livres. A lei ainda determinava como essa liberdade aconteceria e ainda previa a indenização para o senhor de escravos em certo cenário.

Ela é considerada uma das leis abolicionistas que foram aprovadas a partir de 1850. Fazia parte da ideia de realizar uma transição até a abolição que fosse lenta e gradual para não gerar impactos econômicos para os grandes fazendeiros e não gerar revolta e desordem social. O projeto dessa lei partiu do Visconde do Rio Branco.

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Contexto

A questão abolicionista foi uma das discussões mais acaloradas da sociedade brasileira no século XIX. Depois da promulgação da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, o debate político naquela década foi dominado pelas ações a serem tomadas para acabar definitivamente com o tráfico negreiro. O governo brasileiro fez ações afirmativas para suprimir o tráfico, e o último navio negreiro de que se tem notícia tentou desembarcar africanos no Brasil em 1856.

Na segunda metade do século XIX, a abolição da escravidão foi um dos grandes debates políticos do Brasil.

A década de 1860 então se voltou para outros debates a respeito da escravidão, e essas discussões giravam em torno de formas de aboli-la. Mas o que estava por trás dessas ideias de abolir o trabalho escravo?

Primeiro, é importante identificarmos que os escravocratas, principalmente do Sudeste, ainda resistiam a essas ideias. Entretanto, um certo clima político começava a surgir nesse sentido. As propostas que começaram a aparecer ainda traziam a ideia de promover uma abolição de maneira gradual, que não gerasse fortes prejuízos para os grandes fazendeiros. A ideia da mudança gradual também visava manter a ordem social.

Vale destacar também que, no cenário internacional, ainda existia um certo papel da Inglaterra em posicionar-se pela abolição do trabalho escravo no Brasil. Além disso, as décadas de 1850 e 1860 ficaram marcadas por iniciativas no exterior que caminhavam nesse sentido. Portugal aboliu a escravidão em suas colônias em 1858, os EUA aboliram o trabalho escravo em 1865, a Holanda realizou a abolição no Suriname em 1863, os russos acabaram com a servidão em 1861, etc.

Naquele momento, só o Brasil e duas colônias espanholas (Cuba e Porto Rico) ainda faziam uso do trabalho escravo e nelas já havia propostas de reformas ou de abolição da escravidão. Por fim, o Brasil ainda sofria constrangimentos na Guerra do Paraguai por ser a única nação que ainda mantinha escravos. Esse isolamento na questão do trabalho escravo era uma mácula na imagem internacional do país.

Nesse cenário, muitos começaram a defender essa mencionada transição gradual. Isso porque — argumentava-se na época —, se a abolição fosse realizada de maneira imediata, a economia do país sofreria um impacto terrível, pois a abolição desregularia a produção, e as indenizações pagas aos grandes fazendeiros esvaziariam os cofres nacionais.

Muitos fazendeiros criticavam que esse debate estivesse sendo alçado ao nível político porque serviria de motivação para rebeliões de escravos. Muitos, inclusive, acreditam que as rebeliões de escravos influenciaram esse debate, mas o historiador José Murilo de Carvalho afirma que, na questão do Ventre Livre, as revoltas de escravos não tiveram influência porque nessa década (1860) não houve movimentações desse tipo significativas.

As revoltas de escravos, no entanto, serviram de argumento para os defensores de que um debate sobre abolição, mesmo que gradual, acontecesse. Eles afirmavam que a abolição do trabalho escravo deveria acontecer de maneira lenta e gradual por meio do reformismo, pois, se isso não acontecesse, os escravos se rebelariam e teríamos no Brasil um cenário próximo ao do que aconteceu no Haiti ou mesmo nos Estados Unidos, onde a questão do trabalho escravo resultou em guerra civil.

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Proposta de reformas

Foi esse cenário que abriu o caminho para que uma reforma acontecesse. O primeiro passo para isso foi dado pelo próprio imperador. Em 1865, Dom Pedro II solicitou a José Antônio Pimenta Bueno um estudo que debatesse propostas para promover a abolição do trabalho escravo no Brasil. O imperador era um dos que defendiam o caminho reformista para realizar essa abolição lenta e gradual.

José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, foi quem elaborou e propôs a Lei do Ventre Livre, em 1871.[1]

Pimenta Bueno realizou esse estudo, entregando ao imperador cinco diferentes propostas em 1866. O imperador as encaminhou para o Conselho de Estado, presidido pelo Marquês de Olinda, mas a pauta não foi aceita. No ano seguinte, a pauta foi novamente levada ao Conselho de Estado, e a proposta de Pimenta Bueno foi recebida de maneira dividida.

Pimenta Bueno tinha proposto que os filhos de mães escravas seriam libertos aos 16 anos, para as meninas, e aos 21 anos, para os meninos. Entretanto, a proposta dele não avançou em razão do cenário que o Brasil vivia. Os parlamentares argumentaram que esse tipo de reforma deveria ser levantado somente depois que a Guerra do Paraguai acabasse, e a ideia permaneceu engavetada até 1871.

Ainda assim, o debate abolicionista não perdeu força. O imperador fez pronunciamentos em 1867 e 1868 em favor da questão da abolição e houve algumas propostas sobre abolição sugeridas por deputados. Em 1869, uma lei foi aprovada proibindo os leilões de escravos e que casais fossem separados, assim como também foi banida a separação de menores de quinze anos de seus pais|1|.

Em 1870, a Guerra do Paraguai acabou, o que abriu caminho para que esse debate fosse resgatado. A pauta do “ventre livre” retornou ao cenário político, quando o Visconde do Rio Branco encaminhou uma proposta que defendia a emancipação dos filhos das escravas. Essa proposta baseava-se no que havia sido colocado por Pimenta Bueno e em medidas parecidas que tinham sido implantadas em locais como Cuba. No entanto, ela foi recebida com muita resistência, e o visconde sofreu críticas sob a alegação de que a discussão que ele trazia poderia motivar rebeliões de escravos no país. O historiador Boris Fausto afirma que essa proposta foi uma iniciativa do imperador e dos conselheiros dele para garantir maior lealdade dos escravos e impedir que revoltas acontecessem|2|.

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Lei do Ventre Livre

A proposta de lei realizada pelo visconde foi debatida e aprovada pelos deputados. Boris Fausto fala que foram 51 votos pela sua aprovação e 36 contra. A maior parte dos votos a favor veio dos deputados do Nordeste, e os votos contra vieram — a maioria — do Sul e Sudeste, um indicativo das diferenças de interesse das duas regiões|3|. José Murilo de Carvalho apresenta o mesmo cenário, mas fala que a votação contou com 61 votos a favor da lei e 35 votos contra|4|.

A Lei do Ventre Livre foi promulgada em 28 de setembro de 1871, libertando todos os filhos de escravos nascidos a partir dessa data.[2]
A Lei do Ventre Livre foi promulgada em 28 de setembro de 1871, libertando todos os filhos de escravos nascidos a partir dessa data.[2]

A Lei do Ventre Livre foi aprovada e entrou em vigor em 28 de setembro de 1871. Por meio dela, foi criado um fundo para pagar as indenizações pela liberdade dos filhos das escravas. O cenário que a lei apresentou foi o seguinte: os escravos nascidos a partir daquela data seriam considerados livres, mas eles ficariam sob a tutela do senhor de sua mãe, alcançando sua emancipação plena quando:

  • completassem 8 anos de idade (caso fossem libertos com essa idade, o senhor de escravos receberia uma indenização);
  • completassem 21 anos de idade (a libertação nesse caso era obrigatória, e o senhor de escravos não seria indenizado).

A indenização prevista na lei era de 600 mil réis, com 6% de reajuste anual em um prazo máximo de 30 anos. A realidade é que poucos senhores de escravos entregaram os filhos de suas escravas com 8 anos de idade porque era mais rentável explorar a mão de obra deles até que completassem 21 anos.

A lei também obrigou o senhor de escravos a manter uma matrícula de seus escravos. Para isso, foi criado um registro para que essas matrículas acontecessem. Os escravos que não estivessem devidamente registrados nessa matrícula seriam considerados livres após um ano da promulgação da lei. Isso trouxe muitas repercussões negativas (para os senhores de escravos), como veremos, mas funcionou como uma legalização dos escravos que tinham entrado ilegalmente no Brasil depois de 1831.

Outro mecanismo importante da lei era o de garantir a libertação dos escravos que sofressem maus-tratos excessivos. Os senhores de escravos também ficavam obrigados a alforriar seus escravos caso eles tivessem a quantia para indenizar seus senhores. Esses pontos da lei foram abertamente explorados pelo movimento abolicionista nos anos seguintes, que contratava advogados para garantir a liberdade dos escravos.

A historiadora Joseli Maria Nunes Mendonça fala que o movimento abolicionista vasculhava os registros atrás de irregularidades para entrar na Justiça contra os senhores de escravos e dava suporte jurídico para escravos que encontravam dificuldades em pagar por sua alforria|5|. Essas foram maneiras encontradas de lutar contra a escravidão e que foram muito populares na década de 1880.

A lei, no entanto, era de caráter conservador e demonstrava a disposição de manter a escravidão por mais algum tempo no Brasil. A historiadora Christiane Laidler também afirma que a forma como a lei foi redigida demonstrava uma grande preocupação em não deixar brechas que pudessem minar a autoridade dos senhores de escravos|6|.

De toda forma, a escravidão estava com os dias contados no Brasil. Na década de 1880, a pressão pelo fim da escravidão foi muito grande, e a abolição foi decretada em 13 de maio de 1888.

Notas

|1| MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Legislação emancipacionista, 1871 e 1885. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 279.

|2| FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 2018, p. 122.

|3| Idem, p. 122.

|4| CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 310.

|5| MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Legislação emancipacionista, 1871 e 1885. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 281-282.

|6| LAIDLER, Christiane. A Lei do Ventre Livre: interesses e disputas em torno do projeto de “abolição gradual”. Para acessar, clique aqui.

Créditos das imagens

[1] Commons

[2] Arquivo Nacional do Brasil

Por Daniel Neves Silva

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