A Guerra Civil Síria é um conflito que está em curso desde o ano de 2011, sendo um desdobramento dos protestos da Primavera Árabe — quando a população síria passou a manifestar a sua insatisfação com o governo do presidente Bashar al-Assad. A reação violenta do governo contra os protestantes levou a oposição a se armar e lutar contra ele.
Após 10 anos de conflito, ele segue em curso e não há previsão para o seu fim. Essa guerra é considerada um verdadeiro desastre humanitário, com aproximadamente 600 mil mortos até o final de 2020. Milhões de sírios abandonaram o país, e o conflito recebeu a intervenção de diferentes nações estrangeiras.
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A Síria é um país ditatorialmente controlado pela família Al-Assad desde a década de 1970. A presidência do país foi ocupada por Hafez al-Assad até 2000 e, então, foi ocupada pelo filho, Bashar al-Assad, após sua morte. O governo de Bashar al-Assad é marcado pela falta de liberdade e pela corrupção, de acordo com os observadores internacionais.
A falta de liberdade na Síria motivou protestos populares, na virada de 2010 para 2011, por meio da Primavera Árabe — uma série de manifestações populares iniciadas na Tunísia e que se espalharam por inúmeros países do Norte da África e do Oriente Médio, buscando mais democracia e melhores condições de vida.
Os protestos contra o presidente Bashar al-Assad se iniciaram em Deraa, cidade localizada no sul do território sírio, em março de 2011. Tudo começou quando estudantes fizeram pichações com palavras de ordem contra o presidente. As pichações falavam que Al-Assad seria o próximo governante a cair (governantes haviam sido derrubados em locais como Líbia e Egito, por exemplo).
O governo não gostou das pichações e mobilizou a polícia secreta síria, que prendeu, interrogou e torturou os estudantes. O caso chocou a população, que passou a ir para as ruas para protestar. Outras grandes cidades, além de Deraa, que contaram com grandes protestos populares foram a capital, Damasco, e Aleppo, a maior cidade da Síria.
A reação do governo aos protestos populares foi violenta, e as forças armadas sírias foram usadas para reprimi-los. Essa violência resultou em novos protestos, que continuaram a ser reprimidos. Por fim, grupos de oposição armaram-se e iniciaram o confronto armado contra as tropas do governo.
Os grupos armados que surgiram na Síria foram formados por militares desertores que não concordavam com a violência usada pelo governo e por civis que se opunham a ele. Esses grupos atuaram inicialmente para expulsar as forças do governo de suas cidades, e logo o combate entre essas três forças se tornou uma guerra civil.
O primeiro grande grupo de oposição que se organizou foi o Exército Livre da Síria (ELS), oficialmente criado em julho de 2011. Foi formado por civis que atuavam nas manifestações e por militares desertores que não estavam de acordo com a repressão violenta do governo de Bashar al-Assad.
O Exército Livre da Síria era considerado um grupo secular, uma vez que não defendia ideais considerados fundamentalistas. Além disso, o ELS lutava para derrubar o governo de Bashar al-Assad e implantar uma democracia no país. Entretanto, houve uma profunda alteração no perfil ideológico desse grupo.
Atualmente, o ELS atua mais ao norte do território sírio e é considerado um grupo fundamentalista. Portanto, percebe-se que o perfil secular foi abandonado, e, além disso, o ELS aliou-se com a Turquia, priorizando suas ações na luta contra os curdos, uma minoria étnica que habita o norte do território sírio.
A continuidade da guerra na Síria levou o autoproclamado califado Estado Islâmico (EI) a infiltrar-se nesse país a partir do final de 2013. Califado é um tipo de reino islâmico que se considera como o sucessor direto do profeta Muhammad (como é conhecido Maomé entre os muçulmanos), que iniciou a pregação do islã no século VII.
O Estado Islâmico surgiu no Iraque como um braço armado da Al-Qaeda, outra organização fundamentalista islâmica que busca o protagonismo no Oriente Médio e que, em 2001, foi responsável pelos ataques às Torres Gêmeas em Nova York, nos EUA. No entanto, houve o rompimento do Estado Islâmico com a Al-Qaeda, o que o levou a atuar de maneira independente e de acordo com seus interesses.
Assim, em 2013, o grupo aliou-se a grupos rebeldes fundamentalistas organizados na Síria, com a guerra em andamento. Em 2014, a política do Estado Islâmico mudou, e o grupo rompeu com os seus aliados nesse país, passando a atuar de maneira independente. Seus seguidores atacaram e dominaram várias cidades sírias, com o objetivo de expandir o seu califado por todo o mundo por meio da imposição da sharia, a lei islâmica interpretada com base no Alcorão.
Na Síria, o EI impôs uma forte perseguição contra qualquer tipo de oposição ou minoria religiosa e étnica, como ficou evidente em grandes massacres contra populações yazidis (curdos) e xiitas, principalmente. A posição independente do Estado Islâmico fez com que esse grupo lutasse contra diferentes grupos rebeldes no território sírio.
O crescimento do Estado Islâmico chamou a atenção não somente das autoridades sírias, mas do mundo, sobretudo pelos atentados terroristas que essa organização realizou na França. Assim, países como Estados Unidos passaram a intervir no conflito para lutar contra o EI. Os russos, aliados do governo sírio, também agiram contra esse grupo.
Além disso, no norte da Síria, os curdos organizaram-se para resistir ao avanço do Estado Islâmico e receberam apoio dos Estados Unidos para tanto. O resultado dessa soma de forças contra o EI foi o seu enfraquecimento. Atualmente, ele não controla mais nenhum território na Síria, mas ainda é observado com muita atenção pela comunidade internacional.
Além do Exército Livre da Síria e do Estado Islâmico, outros grupos que atuam na Guerra Civil Síria são:
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A guerra civil na Síria segue em curso mesmo após 10 anos de conflito, principalmente pela intervenção de potências estrangeiras, que, por meio do financiamento financeiro e militar a grupos atuantes no conflito, perpetuam a disputa na Síria. Os países que mais intervieram nesse conflito foram os Estados Unidos, a Rússia e a Turquia.
Os Estados Unidos atuaram na guerra, principalmente, no combate contra o Estado Islâmico e lideraram milhares de ataques aéreos contra posições dominadas pelo EI. Além disso, em abril de 2017, os EUA atacaram uma base aérea do governo sírio após acusarem Bashar al-Assad de ter autorizado um ataque químico contra civis na província de Idlib.
A Rússia participa do conflito desde 2015, quando enviou tropas para atuarem ao lado do exército de Bashar al-Assad e impedirem que rebeldes e o EI derrotassem as tropas do governo, que, naquele momento, estavam enfraquecidas. As forças russas fizeram uma série de bombardeios em posições dominadas por rebeldes e pelo EI. O governo sírio é um importante aliado dos russos na região.
Por fim, a Turquia entrou no conflito alegando lutar contra o crescimento do Estado Islâmico. No entanto, existem denúncias feitas por observadores internacionais que afirmam que ela chegou a comprar petróleo do EI. Além disso, essa nação luta contra a milícia formada pelos curdos, uma minoria étnica historicamente perseguida na Turquia por causa de seu movimento separatista.
Muitos observadores internacionais apontam que os turcos reforçaram os seus ataques contra os curdos depois que os Estados Unidos retiraram seu apoio a esse grupo. Entende-se que a ação da Turquia faz parte da estratégia desse país de colocar-se como força militar e geopolítica no Oriente Médio, além de procurar expandir seu território às custas da instabilidade síria.
Outros países como Irã e Israel também tomaram parte no conflito. O Irã atua na defesa do governo de Bashar al-Assad, um governo secular, pois sua continuidade é importante para os interesses do Irã na região. O Irã é uma nação xiita e tem um importante aliado no Líbano, país vizinho à Síria: o Hezbollah. A queda de Bashar al-Assad para grupos sunitas seria uma tragédia para os interesses iranianos.
Israel, por sua vez, atua na guerra civil atacando, sobretudo, posições do Hezbollah e de forças iranianas, mas, eventualmente, ataca posições dominadas pelo governo sírio. A ação israelense foca-se, principalmente, no Hezbollah, com alegações de que o fortalecimento desse grupo pode ser nocivo para a segurança de Israel.
A Guerra Civil Síria já tem mais de 10 anos de duração, e um conflito tão longo assim deixou e tem deixado graves consequências para esse país. A guerra tem destruído a Síria, deixando grandes cidades em escombros, e destruiu sistema educacional, de saúde e de transporte do país, o que prejudica a vida da população e o futuro do país.
A longa duração desse conflito contribuiu para o empobrecimento do país, e, atualmente, a maioria da população síria vive em estado de pobreza, muitos dela precisam de ajuda humanitária para ter acesso a cuidados médicos e outros itens básicos, como comida e água. Isso sem falar no total de vidas humanas perdidas, que, até dezembro de 2020, era de quase 600 mil pessoas.
A guerra também contribuiu para deslocar milhões de pessoas, uma vez que ela as forçou a se mudarem como forma de garantir sua própria segurança. Mais de cinco milhões de sírios optaram por abandonar o seu país e foram para diferentes locais, como Turquia, Líbano, Alemanha, Grécia, entre outros. Até mesmo o Brasil recebeu refugiados sírios, cerca de quatro mil.
Apesar da longa duração, o cenário para o futuro da Síria não é animador, pois os analistas internacionais não veem possibilidade de término do conflito para breve. Essa visão é reforçada pelo fato de que nem o governo sírio, nem os grupos rebeldes, nem as potências estrangeiras sinalizam para o encerramento das hostilidades.
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