O antissemitismo é um preconceito dirigido aos judeus que abrange aspectos culturais, religiosos, étnicos e raciais.
O antissemitismo é um preconceito dirigido aos judeus que abrange aspectos culturais, religiosos, étnicos e raciais, refletindo a dificuldade das sociedades em lidar com a alteridade. Suas origens remontam ao Império Romano, quando a diáspora judaica e a ascensão do cristianismo consolidaram a visão dos judeus como “outros”. Embora o antijudaísmo fosse motivado pela religião e aceitasse a conversão dos judeus, o antissemitismo moderno é uma ideologia racial que busca a exclusão e, no caso nazista, a eliminação dos judeus.
O Holocausto, como culminação dessa política, resultou na morte de seis milhões de judeus e mostrou o potencial destrutivo do ódio institucionalizado. Mesmo após essa tragédia, o antissemitismo persiste hoje, manifestando-se em teorias conspiratórias e violência, o que exige vigilância educacional e institucional para ser combatido.
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O antissemitismo é uma forma de preconceito e hostilidade dirigida especificamente aos judeus, englobando aspectos culturais, religiosos, étnicos e raciais. Enrique Mandelbaum (doutor em literatura e cultura judaica pela Universidade de São Paulo) observa que o antissemitismo vai além do simples preconceito pessoal e se insere em estruturas sociais e culturais profundas, refletindo um problema que afeta a “tessitura social”.
O termo “semita” tem sua origem na tradição bíblica, derivando do nome Sem, um dos filhos de Noé, descrito no livro de Gênesis (5:32; 9:18-19) como um dos responsáveis pela repopulação da Terra após o dilúvio. Segundo essa narrativa, Sem é o ancestral dos chamados povos semitas, um grupo étnico e linguístico que inclui, entre outros, os hebreus, árabes, assírios e fenícios. Por sua vez, Cam e Jafé são apresentados como ancestrais de outros grupos: Cam é relacionado aos povos africanos e cananeus, e Jafé, aos povos europeus e de partes da Ásia. Essa categorização, de base genealógica e mítica, influenciou a construção de identidades culturais e etnológicas em diferentes períodos históricos.
O termo “semita” foi apropriado no século XIX por estudiosos da linguística para designar um grupo de línguas relacionadas, conhecidas como línguas semíticas, faladas por povos do Oriente Médio e partes do Norte da África. Entre essas línguas, incluem-se o hebraico, o árabe, o aramaico e o acadiano. A ideia de um tronco comum linguístico foi ampliada para uma associação étnica, o que contribuiu para a emergência de categorias raciais baseadas na linguagem e na ancestralidade.
No entanto, o termo “antissemitismo”, cunhado também no século XIX, adquiriu um significado mais restrito. Ele passou a ser usado exclusivamente para descrever o preconceito, a discriminação e o ódio contra judeus, sem englobar outros povos semitas, como os árabes. Essa exclusividade foi reforçada por motivos históricos, especialmente pelo contexto do antissemitismo moderno na Europa, que visava os judeus como alvo principal de teorias racistas e práticas discriminatórias. Durante o século XX, o Holocausto perpetrado pelo regime nazista consolidou essa associação específica entre antissemitismo e judeus.
Mandelbaum aponta que esse preconceito é alimentado por uma “sombra do outro”, que, ao mesmo tempo que ameaça, é necessária para que sociedades definam e reforcem identidades próprias. Esse “outro” indesejado torna-se um símbolo de tudo o que é marginal ou disruptivo para uma cultura ou uma nação.
De acordo com Hannah Arendt, filósofa alemã de origem judaica, o antissemitismo moderno emergiu de transformações políticas e sociais na Europa do século XIX, quando os judeus deixaram de ser apenas uma minoria religiosa e se tornaram alvo de uma ideologia secular que os via como uma ameaça à identidade nacional e ao “espírito de época” europeu.
As origens do antissemitismo podem ser rastreadas até os tempos do Império Romano, mas foram intensificadas pela dispersão dos judeus após a Revolta de Barcoquebas, entre 132 e 135 d.C. Após a derrota, a população judaica foi dizimada, e muitos judeus sobreviventes foram forçados a se espalharem pela Europa, Ásia Menor e pelo Norte da África.
Como explica Fábio Antunes Vieira (doutor em desenvolvimento social pela Universidade Estadual de Montes Claros) a diáspora fez com que os judeus se tornassem minorias étnicas e religiosas em territórios dominados por outros povos, situação que favoreceu o desenvolvimento de preconceitos contra eles. Esse sentimento foi amplificado com o surgimento do cristianismo, que se distanciou progressivamente do judaísmo.
Vieira ressalta que, com o fortalecimento do cristianismo na Europa, especialmente após o estabelecimento da Igreja Católica Romana, os judeus começaram a ser vistos como “o povo que traiu Jesus”, uma ideia que serviria de base para perseguições e massacres. Como Mandelbaum e Arendt comentam, o antissemitismo se consolidou, ainda mais, como um fenômeno cultural e político na Europa moderna, movendo-se das justificativas religiosas para argumentos sociais, raciais e econômicos, especialmente a partir do século XIX.
Enquanto o antijudaísmo refere-se a uma aversão baseada em argumentos teológicos, o antissemitismo moderno transforma o preconceito contra os judeus em uma ideologia secular que os vê como uma ameaça étnica e racial. Hannah Arendt descreve o antijudaísmo como uma hostilidade religiosa surgida das tensões entre cristianismo e judaísmo.
O antijudaísmo era, em teoria, superável pela conversão; no entanto, o antissemitismo secular rejeita qualquer possibilidade de assimilação e visa, de maneira mais radical, à eliminação dos judeus da sociedade.
Com a chegada do iluminismo e das teorias raciais na Europa, a ideia de “impureza” dos judeus passou a ser associada à sua “natureza inata”, tornando-os alvo de estigmatização racial, como observa Mandelbaum. Arendt enfatiza que o antissemitismo se alimentou da secularização das sociedades europeias e do surgimento do Estado-nação, que associava a identidade nacional à homogeneidade étnica e cultural.
O semitismo abrange um grupo de povos com raízes linguísticas e culturais em comum, enquanto o sionismo é um movimento político e cultural que surgiu no século XIX com o objetivo de estabelecer uma pátria para os judeus, principalmente devido às perseguições e ao antissemitismo na Europa. Segundo Arendt, o sionismo se consolidou como uma resposta organizada ao antissemitismo europeu, sendo impulsionado por figuras como Theodor Herzl.
A ideia central do sionismo era que os judeus deveriam constituir-se como uma nação independente e autônoma. Como Mandelbaum observa, o sionismo representa uma contraposição ao antissemitismo, oferecendo uma alternativa à vulnerabilidade judaica e propondo uma reconstrução da identidade e da autodeterminação judaicas.
Arendt complementa que, embora o sionismo tenha sido criticado, foi também uma reação legítima e necessária à hostilidade antissemita, pois visava proteger a cultura, a religião e o povo judeu em um contexto em que eram considerados “estrangeiros” em suas próprias pátrias europeias.
O antissemitismo nazista é uma das formas mais extremas e sistematizadas de preconceito contra os judeus, transformado em uma política de Estado que resultou em genocídio. Conforme Arendt e Mandelbaum, a ideologia nazista elevou o antissemitismo a um elemento central de sua doutrina totalitária a fim de justificar a segregação, expropriação, deportação e o assassinato em massa dos judeus. Hitler e o partido nazista promoveram o conceito de “raça ariana” como superior e retrataram os judeus como inimigos que deveriam ser eliminados para garantir-se a “pureza racial” e a segurança do Estado alemão.
Arendt explica que o antissemitismo nazista foi um fenômeno distinto do antissemitismo europeu anterior, pois não buscava a conversão ou assimilação dos judeus, mas sim a sua completa extinção. O uso da propaganda foi fundamental para disseminar a visão nazista de que os judeus eram responsáveis por problemas sociais e econômicos, consolidando o apoio popular às políticas genocidas.
O Holocausto é o evento que marca o ápice da violência antissemita, resultando na morte de aproximadamente seis milhões de judeus. Enrique Mandelbaum analisa o Holocausto como uma expressão máxima da racionalidade instrumental, em que a lógica técnica foi usada para sustentar um processo de extermínio.
Como descrito por Arendt, o Holocausto revela um “mal radical”, em que a capacidade humana de cometer atrocidades foi potencializada por avanços tecnológicos e pelo apoio do Estado, que montou um aparato burocrático para sistematizar o genocídio.
Os judeus foram desumanizados, retratados como inimigos do Estado e como ameaças ao futuro da “raça ariana”. O processo de extermínio envolveu desde o confisco de propriedades e a segregação em guetos até o transporte para campos de concentração e extermínio, como Auschwitz.
A desumanização dos judeus foi tão profunda que os nazistas conseguiram mobilizar uma sociedade inteira para perpetrar o genocídio, o que Arendt descreve como a banalização do mal, em que indivíduos comuns se tornaram cúmplices do extermínio sem questionar a moralidade de suas ações.
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Embora o Holocausto tenha exposto a crueldade extrema do antissemitismo, ele não foi erradicado. Mandelbaum e Arendt discutem como o antissemitismo persiste, adaptando-se a novos contextos sociais e políticos.
Na atualidade, ele se manifesta em várias formas, desde ataques físicos e vandalismo contra sinagogas até a disseminação de teorias conspiratórias, como a de que os judeus controlam secretamente as finanças globais. A internet e as redes sociais permitiram que o discurso antissemita se espalhasse mais rapidamente, muitas vezes mascarado por discursos de “liberdade de expressão”.
Em alguns países, especialmente na Europa e no Oriente Médio, o antissemitismo moderno se cruza com conflitos políticos, como as tensões entre Israel e Palestina, e serve para “justificar” atos de violência. Arendt sugere que, para enfrentar o antissemitismo na contemporaneidade, é necessário um esforço educacional e institucional que promova a tolerância e desmistifique as teorias conspiratórias, reforçando a importância do reconhecimento e da integração das diferenças culturais e religiosas como base para uma sociedade justa e plural.
Fontes
ARENDT, H. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
CARNEIRO, M. L. T. Rompendo o silêncio: a historiografia sobre o antissemitismo no Brasil (Breaking the silence: the historiography on antisemitism in Brazil) - DOI: 10.5752/P.2237-8871.2012v13n18p79. Cadernos de História, v. 13, n. 18, p. 79-97, 11 maio 2012.
VIEIRA, F. A. O antissemitismo em uma breve perspectiva histórica: de Roma ao nazismo. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG, Belo Horizonte, v. 13, n. 25, p. 54–68, 2019. DOI: 10.17851/1982-3053.13.25.54-68. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/maaravi/article/view/23872.