Os elementos da narrativa são enredo, narrador, personagem, tempo e espaço. O narrador pode ser personagem, observador ou onisciente. O tempo é cronológico ou psicológico.
Os elementos da narrativa são os seguintes: enredo ou trama (o desenrolar dos acontecimentos narrados), narrador (personagem, observador ou onisciente), personagem (plana ou redonda), tempo (cronológico ou psicológico) e espaço (lugar onde transcorre a ação narrada).
Leia também: Narração — os textos que contam histórias
ELEMENTOS |
O QUE É |
Narrador |
Quem narra a história. Narrador personagem Narrador observador Narrador onisciente |
Personagem |
Quem pratica a ação narrada. Personagem plana Personagem redonda ou esférica |
Enredo |
A trama, o encadeamento de fatos da narrativa. |
Tempo |
Quando ocorrem os fatos narrados. Tempo cronológico Tempo psicológico |
Espaço |
Onde ocorrem os fatos narrados. |
Leia a narrativa a seguir:
O mundo
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
— O mundo é isso — revelou. — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Tradução de Eric Nepomuceno. 9. ed. Porto Alegre: L&PM, 2002.
Elementos da narrativa:
Agora leia este fragmento de uma narrativa:
Ele se precipitou para a porta, ficou atento, agarrou o chapéu e começou a descer os seus treze degraus, cautelosamente, em silêncio, como um gato. Restava a questão mais importante — roubar a machada da cozinha. Há muito ele havia decidido que a coisa devia ser feita com uma machada. Ele ainda tinha uma tesoura de podar; mas na tesoura, e especialmente nas suas forças, ele não confiava, e por isso se fixara em definitivo na machada. Observemos a propósito uma peculiaridade no tocante a todas as decisões definitivas já tomadas por ele nessa questão. Tinham elas uma qualidade estranha: quanto mais definitivas se tornavam, mais repugnantes, mais absurdas ficavam até aos olhos dele. Durante todo esse tempo, apesar de toda a sua angustiante luta interior, jamais pôde, um momento sequer, crer na exequibilidade dos seus projetos.
E mesmo se algum dia acontecesse de tudo já ter sido examinado e decidido por ele até o último ponto e de forma definitiva, e já não restassem mais quaisquer dúvidas, mesmo assim, parece, ele acabaria renunciando a tudo como ao absurdo, monstruoso e impossível. Mas restava ainda todo um abismo de pontos não resolvidos e dúvidas. Quanto à questão de onde conseguir a machada, esse pormenor não lhe dava a mínima preocupação porque não havia nada mais fácil. É que a todo instante Nastácia se ausentava de casa, sobretudo à noitinha; ou corria aos vizinhos, ou a uma vendinha, e deixava sempre a porta escancarada. A dona da casa brigava com ela só por isso. Portanto, quando chegasse o momento, era só entrar na cozinha devagarinho, pegar a machada, e uma hora depois (quando tudo já estivesse terminado), voltar lá e devolvê-la. Mas também surgiam dúvidas: ele, suponhamos, retornaria uma hora depois para pôr a machada de volta, e daria de cara com Nastácia circulando por ali. É claro que precisava passar sem ser notado e esperar que ela tornasse a sair. Vamos que entrementes ela desse pela falta da machada, começasse a procurá-la, resolvesse gritar — aí apareceria uma suspeita, ou pelo menos um motivo para suspeita.
Mas isso ainda eram minúcias sobre as quais ele nem tinha começado a pensar, e também não tinha tempo para isso. Pensava no principal, e adiava as minúcias até o momento em que ele mesmo estivesse convencido de tudo. Mas este último lhe parecia terminantemente inexequível. Pelo menos era o que parecia a ele mesmo. Nunca podia, por exemplo, imaginar que um dia parasse de pensar, se levantasse e simplesmente caminhasse para lá... Até mesmo aquele seu ensaio recente (isto é, a visita que fizera com a intenção de estudar definitivamente o lugar) ele apenas esboçara, mas nem de longe para valer, fizera por fazer: “deixa eu ir lá, articulou ele, experimentar, por que ficar nesse devaneio!?” — e no mesmo instante não se conteve, mandou tudo às favas e saiu de supetão, furioso consigo mesmo. Enquanto isso, porém, parecia que já havia concluído toda a análise no sentido da solução moral da questão: sua casuística estava afiada como uma navalha, e em si mesmo ele já não encontrava objeções conscientes. Mas no último caso ele simplesmente não acreditava em si mesmo e procurava de modo obstinado e servil objeções por todos os lados e às apalpadelas, como se alguém o forçasse e o arrastasse para tal. O último dia, que começara tão por acaso e resolvera tudo de uma só vez, agia sobre ele de maneira quase inteiramente mecânica: como se alguém o segurasse pelo braço e o arrastasse, de forma irresistível, cega, com uma força antinatural, sem objeções. Como se uma nesga da sua roupa tivesse caído debaixo de uma roda de máquina e esta começasse a tragá-lo.
[...]
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. Tradução de Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
Questão 1
(Enem)
A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada... Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras!
Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus personagens se pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco.
José Lins do Rego. Menino de engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações).
Na construção da personagem “velha Totonha”, é possível identificar traços que revelam marcas do processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto acima, infere-se que a velha Totonha:
A) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa.
B) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional.
C) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil.
D) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia.
E) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes da literatura e da cultura europeia universalizada.
Resolução:
Alternativa E.
A personagem velha Totonha imprime, em suas narrativas, marcas da realidade local (por exemplo, um senhor de engenho de Pernambuco). Suas narrativas têm como modelo e origem fontes da literatura e da cultura europeia (por exemplo, o Barba-Azul é personagem do escritor francês Charles Perrault).
Questão 2
(Enem)
A partida
Acordei pela madrugada. A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução, acendi um fósforo: passava das três. Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco. Veio-me então o desejo de não passar mais nem uma hora naquela casa. Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de amor.
Com receio de fazer barulho, dirigi-me à cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteei-me e, voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la, dizer-lhe adeus?
LINS, O. A partida. Melhores contos. Seleção e prefácio de Sandra Nitrini. São Paulo: Global, 2003.
No texto, o personagem narrador, na iminência da partida, descreve a sua hesitação em separar-se da avó. Esse sentimento contraditório fica claramente expresso no trecho:
A) “A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente dormir”.
B) “Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria às cinco”.
C) “Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da cama”.
D) “Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e amor”.
E) “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras...”.
Resolução:
Alternativa E.
O narrador-personagem demonstra hesitação neste trecho: “Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas palavras...”. A hesitação está impressa na pergunta feita por esse narrador.
Fontes
ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2021.
GOULART, Audemaro Taranto; SILVA, Oscar Vieira da. Introdução ao estudo da literatura. Belo Horizonte: Lê, 1994.