Os irmãos Graco, Tibério e Caio, foram dois políticos em Roma marcados por procurarem realizar uma reforma agrária nesse território. As propostas de ambos causaram grande agitação política e resultaram na articulação de grupos para assassiná-los. As motivações que levaram os dois a defenderem propostas em defesa da população mais pobre ainda são debatidas pelos historiadores, apesar disso e de qualquer forma, elas evidenciaram o real limite das pautas em defesa dos mais pobres naquele período.
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Na segunda metade do século II a. C., Roma estava na fase da República e consolidada como uma grande potência no Mediterrâneo. Os romanos tinham conseguido conquistar toda a Península Itálica e acabado de derrotar os poderosos cartaginenses na luta travada durante as Guerras Púnicas.
Isso significa dizer que a quantidade de terras disponíveis no domínio romano havia aumentado, mas esse aumento não significava que os mais pobres teriam acesso a elas. Existe um debate entre os historiadores acerca da situação agrícola de Roma naquele período, e alguns deles afirmam que os pequenos camponeses, além de não terem acesso às novas terras, perderam as poucas que possuíam.
As justificativas apresentadas pelos historiadores argumentam que as agitações dos últimos anos das Guerras Púnicas e o envio de camponeses para a guerra haviam deixado as famílias dos camponeses pobres mais vulneráveis, e, assim, grandes proprietários compraram as terras delas, forçando-as a mudarem-se para as grandes cidades.
Essa disputa por terras, obviamente, era um ponto de tensão em Roma, uma vez que os plebeus buscavam, desde o início da República, no século VI a. C., garantir seus direitos e a melhoria de sua vida. Nessa questão agrária, dois nomes em particular tornaram-se extremamente importantes: Tibério Graco e Caio Graco.
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Tibério Graco tornou-se político em 133 a. C., quando foi eleito tribuno da plebe. Esse cargo tinha sido criado no começo da República em Roma, em 494 a. C., e o objetivo dos tribunos da plebe era garantir os interesses dos plebeus e não permitir que senadores e magistrados realizassem abusos contra essa parcela da sociedade romana.
Em exercício de sua função, Tibério desejava fazer uma reforma agrária e, assim, tomar terras de quem as tinha em demasia e distribuí-las para os despossuídos. No entanto, quais foram as motivações que levaram Tibério Graco a debruçar-se sobre essa questão? A historiadora Mary Beard trabalhou sobre possíveis razões para tanto|1|.
O primeiro motivo trata da indignação de Tibério ao constatar, durante uma viagem, que, no norte da Península Itálica, as pequenas propriedades haviam desaparecido. Dentro disso, sua principal indignação dava-se pelo fato de que os camponeses iam para a guerra contra os cartaginenses, mas, quando retornavam, não tinham direito nenhum às terras romanas.
Outro ponto levantado trata-se de uma possível tentativa de vingança de Tibério, em relação a um acordo que havia formulado à época de uma guerra travada na Hispânia (atual Península Imbérica), contra o Senado romano, que o humilhara nessa ocasião. Realizar a reforma agrária seria, então, o meio utilizado por ele para prejudicar aqueles que haviam perpetrado a humilhação. Além disso, existem outras teorias que não descartam o fato de que a autopromoção era o grande interesse de Tibério em defender essa reforma.
No que consistia essa proposta de reforma agrária? Ela estipulava que todas as propriedades deveriam ter o tamanho máximo de 500 iugera (120 hectares) e que as que ultrapassassem isso seriam tomadas pelo Estado para serem distribuídas entre camponeses que não possuíssem terras. A distribuição disponibilizaria uma terra de 30 iugera por família beneficiada.
A proposta imediatamente chamou a atenção dos senadores, principalmente porque a maioria deles era dona de uma grande quantidade de terras, e a proposta de Tibério só poderia prejudicá-los. A lei criou muita tensão entre Tibério e essas autoridades políticas, mas foi aprovada, e Tibério foi nomeado para a comissão responsável pela reforma.
A tensão que surgiu dessa proposta foi enorme, uma vez que o Senado recusava-se a liberar recursos suficientes para conduzi-la. Acontece que, em 133 a. C., o rei de Pérgamo, Átalo III, faleceu e deixou todos os seus bens para o povo de Roma. Rapidamente, Tibério solicitou esses recursos para conduzir sua reforma.
A ação de Tibério preocupava os senadores não só porque era um ataque direto aos seus privilégios mas porque a forma que Tibério conduziu todo o processo era considerada uma afronta. Os conservadores do Senado temiam que ele estivesse acumulando poderes demais. Para piorar a situação, naquele ano ainda, o então tribuno da plebe decidiu disputar a reeleição ao cargo (o que era proibido) e acabou sendo reeleito de fato. Isso deu início à violência contra Tibério.
Antes da reeleição, já existia uma articulação entre membros do Senado para assassinar Tibério. Quando ele foi reeleito, a articulação deu início à violência. Um grupo de opositores armou-se e iniciou um pequeno confronto com Tibério e seus apoiadores nas ruas de Roma. Nessa confusão, Tibério e centenas de seus apoiadores foram assassinados.
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Dez anos depois da morte de Tibério, seu irmão, Caio Graco, tornou-se tribuno da plebe ao ser eleito. Caio, assim como seu irmão, atuou diretamente na questão agrária, embora suas medidas fossem muito mais amplas e não se restringissem exclusivamente à questão da reforma.
As medidas tomadas por Caio também eram em benefício das camadas mais pobres de Roma. Mary Beard afirma que ele tomou uma dúzia de iniciativas em defesa dos mais necessitados, tais como a proibição de convocação para o exército de menores de 17 anos e a obrigatoriedade do Estado em pagar pelos equipamentos militares dos soldados.
No caso de leis relacionadas com a questão agrária, destacam-se duas: a tentativa de realizar reforma agrária em terras da Sicília e de onde ficava a cidade de Cartago (atual Tunísia) e a estipulação de uma quantidade de grãos a ser vendida a valores baixos para todo cidadão romano.
As leis demonstravam a preocupação de Caio em garantir acesso à terra para os despossuídos e acesso a alimentos para os mais pobres. Isso porque Roma era abastecida pela produção de Sicília, Sardenha e do norte da África, mas quando a produção nesses locais era insuficiente, o preço da comida em Roma disparava e prejudicava os mais pobres.
Essa proposta fazia com que certa quantidade de grãos fosse mensalmente vendida a preços baixos por meio de subsídios disponibilizados pelo próprio Estado. Mary Beard afirma que Caio preocupou-se em desenvolver uma estrutura mínima para viabilizar sua intenção, e, assim, foi organizado um local para armazenamento e distribuição dos alimentos. Além disso, recursos foram disponibilizados para a compra desses grãos e um sistema que permitia controlar quem tinha e quem não tinha recolhido sua parte foi desenvolvido.
No caso da reforma agrária, ele estipulou a criação de colônias na Sicília e em Cartago, mas sua ideia foi barrada. A atuação de Caio e suas leis, sempre voltadas para a defender o povo, foram entendidas pelos membros do Senado como uma ameaça. Eles acreditavam que Caio queria tornar-se popular entre os pobres para garantir apoio caso ele desejasse tornar-se rei.
Caio, assim como Tibério, acabou tornando-se alvo quando uma pequena confusão iniciou-se em Roma. Em 121 a. C., um inimigo de Caio ofendeu-o publicamente e por isso foi atacado e morto pelos apoiadores de Caio. Em consequência disso, o Senado acabou aprovando uma lei que o permitia executar, sem julgamento, qualquer pessoa que fosse encarada como uma ameaça para o Estado.
Essa lei desencadeou uma grande perseguição a Caio e seus apoiadores, e, no decorrer dessa situação, Caio morreu. Os historiadores não sabem ao certo se ele foi assassinado ou se ele suicidou para evitar ser espancado até a morte. Outros três mil seguidores de Caio foram mortos tendo como base o vácuo dessa autorização do Estado para executar pessoas enxergadas como “ameaça” para Roma. As reformas de Caio, menos a de distribuição de grãos, foram revertidas depois de sua morte.
As mortes de Tibério e Caio Graco mostraram a disposição das autoridades romanas em perseguir e silenciar todos aqueles que procurassem realizar reformas mais radicais e que desagradassem os interesses dos ricos romanos.
Nota:
|1| BEARD, Mary. SPQR: uma história da Roma Antiga. São Paulo: Planeta, 2017
Créditos das imagens
[1] Commons