Guerra dos Farrapos
A Guerra dos Farrapos, também conhecida como Revolução Farroupilha, foi uma revolta separatista iniciada no Rio Grande do Sul (de 1835 a 1845), durante o Período Regencial. Mobilizou a elite estancieira que morava no interior do estado e teve como grande causa a insatisfação dessa elite com a falta de autonomia e com os pesados impostos cobrados, sobretudo no charque (carne-seca).
Essa revolta, que contou com nomes como Bento Gonçalves e David Canabarro, foi a maior revolta provincial de todo o período monárquico brasileiro, pois teve duração de 10 anos. Os farrapos foram derrotados, em grande parte pela ação do Barão de Caxias, um dos grandes nomes do Exército brasileiro no século XIX.
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Contexto histórico da Guerra dos Farrapos
O Rio Grande do Sul era uma província que possuía uma grande quantidade de estancieiros e charqueadores, os quais criavam gado e produziam charque, respectivamente. Essas duas atividades econômicas estabeleceram-se nessa região, na virada dos séculos XVII e XVIII, para atender às necessidades do Centro-Sul brasileiro – o charque, por exemplo, era utilizado na alimentação dos escravos.
Outro ponto importante a ser mencionado era a relativa autonomia do Rio Grande do Sul por ser distante do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Além disso, merece destaque também a atuação das tropas dos estancieiros para garantir a defesa de suas terras, haja vista os inúmeros conflitos territoriais existentes na região, primeiro entre portugueses e espanhóis e, depois, entre brasileiros, uruguaios e argentinos.
A autonomia dos estancieiros gaúchos começou a diminuir com a independência do Brasil, e o projeto centralizador imposto por d. Pedro I, naturalmente, desagradou aos gaúchos. Além dessa questão, devemos considerar assuntos relativos aos fatores econômicos, principalmente os impostos que eram cobrados dos estancieiros e charqueadores.
Havia uma grande insatisfação com a quantidade de impostos sobre o charque produzido no Rio Grande do Sul. Além disso, os gaúchos desejavam que o charque estrangeiro também fosse taxado para tornar a concorrência entre as mercadorias mais justa.
Além dessas demandas, eles queriam o fim de uma taxa existente no gado que circulava na fronteira entre Brasil e Uruguai, além de estarem insatisfeitos com a presença de tropas nacionais na região – consequência da Guerra da Cisplatina. Muitos também não gostaram da criação da Guarda Nacional, por uma lei de 1831.
O jornalista Juremir Machado mencionou que até uma crise de carrapatos que afetou o gado dos estancieiros, em 1834, foi motivo para ampliar a insatisfação dos gaúchos com o governo, uma vez que ele se recusou a arcar com os prejuízos dos produtores gaúchos|1|. Dentro desse cenário de insatisfação, a possibilidade de revolta começou a ganhar força em torno de ideais republicanos e federalistas.
Principais acontecimentos na Guerra dos Farrapos
Grandes líderes dos farrapos (gaúchos que lutaram na Guerra dos Farrapos) reuniram-se, no dia 18 de setembro de 1835, e decidiram que a revolta seria iniciada dois dias depois (20 de setembro). Quando a revolta foi iniciada, ela não tinha caráter separatista, mas o decorrer dos acontecimentos levou-a ao caminho do separatismo. Logo de início, os farrapos enviaram tropas para Porto Alegre e conquistaram a capital gaúcha sem encontrar resistência.
Foi somente em 11 de setembro de 1836 que os farrapos decidiram pela separação e foi proclamada a República de Piratini ou República Rio-Grandense. Isso deu início a uma nova fase da revolução, e os conflitos tornaram-se mais agressivos. A declaração de independência realizada pelos gaúchos foi motivada pela vitória deles na Batalha de Seival, travada no dia 10 de setembro.
Muitos historiadores afirmam que a proclamação da República Rio-Grandense deu fim à fase da “revolta” e marcou o início da fase da “guerra”. Bento Gonçalves, um dos líderes dos farrapos, foi nomeado presidente dessa república, em 1836, mas só conseguiu assumir de fato no ano seguinte, após fugir da prisão em 1837.
Nos primeiros anos da revolução, os farrapos conseguiram sobrepor-se às forças imperiais e venceram batalhas importantes, como a Batalha de Seival e a Batalha do Barro Vermelho. Um momento marcante aconteceu em julho de 1839, quando David Canabarro e Giuseppe Garibaldi lideraram a conquista de Laguna e fundaram a República Juliana, localizada no atual estado de Santa Catarina.
O controle sobre a região de Laguna, no entanto, durou pouco, pois, em novembro de 1839, as tropas imperiais já haviam reconquistado a região. A queda de Laguna também marcou o início da decadência dos farrapos na luta contra o Império. Alguns fatores que contribuíram para a derrota dos farrapos foram:
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Outras revoltas provinciais, como a Sabinada, a Cabanagem e a Balaiada, encerraram-se entre 1840 e 1841. Isso permitiu ao Império concentrar suas forças contra os gaúchos.
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Nomeação de Luís Alves de Lima e Silva – na época, Barão de Caxias – para liderar as tropas imperiais.
O enfraquecimento dos farrapos ficou evidente, porque, a partir de 1842, os combates (que antes já não eram grandes) tomaram ares de guerra de guerrilha. Os farrapos já não encaravam de frente as tropas imperiais e muitos começaram a refugiar-se no Uruguai. Além disso, havia também divisão entre as lideranças farroupilhas. Bento Gonçalves e Onofre Pires, por exemplo, acabaram duelando após desentendimento.
Líderes da Guerra dos Farrapos
Dentre os líderes da Revolução Farroupilha, podem ser destacados os seguintes nomes:
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Bento Gonçalves: filho de ricos fazendeiros, era militar e foi um dos líderes da revolução, sendo nomeado presidente da República Rio-Grandense.
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David Canabarro: militar que teve importante papel na liderança de tropas dos farrapos e foi um dos que proclamaram a República Juliana, em 1840.
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Giuseppe Garibaldi: italiano conhecido por seu envolvimento com revoluções aqui no Brasil e também na Europa. Uniu-se com Canabarro na conquista de Laguna e na proclamação da República Juliana.
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Antônio de Souza Neto: grande líder militar dos farrapos que esteve envolvido com a Batalha de Seival, em 1836. Participou diretamente da proclamação da República Rio-Grandense, em 1836.
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Desfecho da Guerra dos Farrapos
Como mencionado, os farrapos começaram a enfraquecer-se a partir de 1840 por causa do fim de outras revoltas provinciais e pela nomeação do Barão de Caxias como comandante das tropas imperiais. O barão, por meio de táticas militares e diplomacia, conseguiu ampliar o enfraquecimento dos farrapos, forçando-os a negociar.
As negociações entre farrapos e o Império resultaram no Tratado de Poncho Verde, assinado em 1º de março de 1845, que determinou o seguinte:
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Os farrapos teriam direito a nomear o seu próprio presidente de província (governador);
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Todos os rebeldes seriam anistiados, isto é, perdoados;
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As dívidas contraídas pelos farrapos após dez anos de conflito seriam pagas pelo governo;
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Os escravos que lutaram pelos farrapos seriam alforriados;
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Os oficiais militares dos farrapos fariam parte do Exército imperial e manteriam a mesma patente;
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O charque estrangeiro seria taxado em 25%.
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Guerra dos Farrapos e a escravidão
A Guerra dos Farrapos é identificada pelos historiadores como um acontecimento alvo de profunda mitificação no estado do Rio Grande do Sul. Um dos assuntos pelo qual a mitificação acontece está na questão relacionada à escravidão. Muitos difundem a ideia de que os farrapos lutavam também pela liberdade dos escravos negros, mas os historiadores dizem o contrário.
Os defensores dos farrapos costumam apontar o Tratado do Poncho Verde como uma demonstração de que os gaúchos lutavam pelo fim da escravidão. Consta no Artigo 4º desse tratado a seguinte determinação: “são livres, e como tais reconhecidos, todos os cativos que serviram a República”. A frase sugere que o acordo entre gaúchos e o governo estava a alforria para todos os negros que lutaram em defesa dos farrapos.
Os historiadores, no entanto, mostraram que a abolição da escravidão nunca foi uma prioridade dos farrapos. Durante os anos em que a revolta/guerra esteve em curso, os farrapos mantiveram os seus escravos e só alforriavam negros que aceitavam juntar-se às forças militares para lutar contra o Império. Inclusive, o financiamento de armas para os farrapos deu-se por meio da venda de escravos no Uruguai.
Um dos líderes dos farrapos, Bento Gonçalves, manteve dezenas de escravos como sua posse durante toda a sua vida e os deixou como herança para a sua família. Por fim, um caso sintomático a respeito do tratamento questionável que os farrapos dedicavam aos negros diz respeito ao caso da Batalha de Porongos, quando a tropa dos Lanceiros Negros foi desarmada e entregue em uma cilada para que as tropas imperiais pudessem massacrar os soldados.
Esse evento aconteceu, porque, segundo Juremir Machado, os líderes farroupilhas não conseguiriam manter a sua promessa de liberdade para os negros que formavam essa tropa, pois o Império não havia concordado em libertar negros que tinham fugido de outros estados e aderido às tropas farrapas. Assim, a saída encontrada pelas lideranças foi desarmar e entregar a localização dessa tropa para que eles fossem massacrados.
Notas
|1| Juremir: “muitos comemoram Revolução sem conhecer a história”. Para acessar, clique aqui.
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